quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Nova vida para o grande herói argentino: Maradona reinventa selecção à sua imagem


"TANTAS vezes me mataram, tantas vezes morri”, poderia cantarolar Diego Maradona a canção que imortalizou a voz de Mercedes Sosa. E o homem que se reinventou a si mesmo mil vezes, deixou claro desde o pontapé de saída como seleccionador nacional que idealiza uma selecção argentina à sua imagem e semelhança.

"A única coisa que importa aqui é a camisola (…) Os jogadores têm de demonstrar vontade de estar na selecção”, afirmou o herói do título Mundial no México-86, sentado ao lado do “pai da criatura” campeã há 22 anos, o novo secretário técnico, Carlos Bilardo.

Se há algo que nunca faltou na vida de Maradona, para o bem e para o mal, foi a paixão (como prova o facto de ter terminado o Mundial de Itália a jogar com grave lesão num tornozelo). A paixão que entregava em campo em doses iguais à sua fantástica técnica e a mesma que o conduziu à beira do abismo autodestrutivo, por via das drogas ou do álcool.

Um interessante jogo de diferenças permite chegar a algumas conclusões sobre a matiz que terá a “era de Diego” à frente da selecção albi-celeste. No seu primeiro contacto oficial com a imprensa no novo cargo, Maradona não teve necessidade de falar - e ninguém lhe colocou a questão – sobre questões tácticas, tão distante está de Marcelo Bielsa e das suas obsessões, como o seu fato negro às riscas em contraste com a roupa desportiva que vestia sempre o agora seleccionador do Chile.

“Não tenho medo de que me caia a coroa. Estamos perante uma mini-crise e seria um cobarde se não estivesse aqui. Eu sou do povo”, respondeu, mais desde as vísceras do que da cabeça, quando lhe perguntaram se não se estava a expor demasiado para derrubar o mito criado à sua volta, por obra e graça de um par de resultados desfavoráveis.

Sentimento, gozo: Maradona pretende para os seus jogadores o mesmo que sentia dentro do campo, tão distinto do que a selecção vinha transmitindo, mais próximo de um trabalho burocrático do que da imaginação ao serviço de ganhar, gostar e talvez golear.

”Quero que desfrutem, que façam do futebol uma diversão dentro do campo. Não lhe pedirei nada mais do que lhes pediram os outros (técnicos) mas com o meu livrito”, argumentou o antigo “Pelusa”, que conseguiu, claro está, o que nenhum dos seus antecessores foi capaz: que a imprensa de todo o mundo colocasse câmaras e microfones a granel num lugar até agora ignorado fora das fronteiras argentinas – o moderno centro de treinos que a selecção tem na localidade de Ezeiza.

Maradona clarificou que para a “selecção não existem amigáveis, apenas jogos internacionais” e que os futebolistas que actuam no campeonato argentino terão tantas hipóteses como aqueles que jogam no exterior. “Não sou um seleccionador, apenas um treinador que quer estar acima (dos jogadores)”, completou a terceira diferença em relação ao ideal preconizado pelo seu antecessor, Alfio Basile, que deixou a selecção envolta num mar de dúvidas e numa situação perigosa quanto à qualificação para o Mundial-2010.

Longe também da circunspecção com rasgos de timidez dissimulada de outro dos seus predecessores, José Pekerman, e da tensão que denotava ultimamente o vozeirão de Basile em cada aparição pública, o duo Bilardo-Maradona desfrutou de uma apresentação de acordo com as suas características histriónicas, numa conferência de imprensa matizada com anedotas e gargalhadas, mais caótica do que formal.

E assim como a orgulhosa razão pode disfarçar-se do que designamos por lógica, a paixão – sempre com as pulsações aceleradas – não serve para ocultar as contradições. Talvez por isso, perscrutando as críticas que podem surgir, enquanto Bilardo afirmava esperar “pancada, porque te torna mais forte”, Maradona – para um general pouco contemplativo com os seus detractores – argumentava que o “mundo futebolístico” - numa alusão à imprensa – pode não estar feliz com a sua designação em função “de uma reportagem que autorizas ou não”.

Maradona, inventor do futebol sem licença um século depois dos ingleses terem registado a patente, assegura que o seu desembarque na selecção como treinador chega no “melhor momento” da sua vida, precisamente quando, “como a cigarra”, poderia afirmar “graças dou à desgraça e à mão com um punhal, porque me matou tão mal e segui cantando”.

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